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Nao sabia que o mar existia.
Nunca lhe sentira o cheiro.
Nunca o vira desmaiar, mansamente, na areia.
O sol...esse sim. Eram amigos.
Todas as manhas ele surgia risonho na linha do horizonte.
No final de cada dia, ia atras do monte, junto ao muro do curral onde o gado se acoitava, para se despedir do sol.
Ali ficava parada, observando aquela roupagem avermelhada que ele sempre punha antes de partir.
Dizia baixinho : Adeus sol, volta amanha por favor. Logo a seguir ele escondia-se, ao longe, por detras da Igreja da Se, la na cidade.
O seu mar era a seara. Por vezes a seara ondulava, tal e qual como o mar que ela nao conhecia. Em vez do ar fresco da maresia ela sentia entao uma onda de ar quente, quase sufocante.
A seara nao dava peixe como o mar, mas transformava-se em pao. O tal pao que deveria pesar um kilo, mas nao pesava.
Quantas vezes ela vira as freguesas olharem desconfiadas para a balanca. Entao ela fazia como a mae lhe ensinara...encostava um pao, do dia anterior, ao corpo que dancava dentro da bata branca da mae a dar-lhe pelos tornozelos, e cortava um naco, a olho, para completar o kilo de pao.
`As vezes, mesmo com o contrapeso ainda nao chegava ao peso obrigatorio. As freguesas nao perdoavam, sem se sensibilizarem com as suas maos pequeninas agarrando a faca grande e o pao duro, e la lhe atiravam: Tao pequena e ja sabes roubar. Os tempos eram dificeis, e quaisquer dez gramas de pao eram importantes, por isso ninguem queria saber, se tinha sido por dificuldade que o naco saira pequeno.
O pao que a mae vendia na padaria, menos quando estava a tratar do mano que era recem nascido. Nessas alturas era ela que vestia a bata e vendia.
O tal pao que devia pesar um kilo mas nunca pesava, vinha da seara, e a seara era o mar.
Por volta dos seus nove anos conheceu-o. Foi amor `a primeira vista. Ficou embevecida a admira-lo.
Por mais que tentasse imagina-lo, jamais sonharia que ele impusesse tal grandeza.
O mar era imenso !
Pedacinhos de infancia
Maria V. Letras